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sexta-feira, fevereiro 20, 2009

O Último Voo do Flamingo vai ser filmado

Hoje o Jornal Notícias deu uma pequena nota que quase passa desapercebida: "O Último Voo do Flamingo" vai ser adaptado para o cinema. Li este livro quando cheguei em Moçambique, foi meu primeiro contato com as histórias, a forma de pensar e o cotidiano do povo moçambicano.

Um trama policial leve e cheio de construções e formas narrativas bem diferentes. O que dizer de uma magia que faz as anotações do policial desaparecerem ou de uma outra que faze todos os homens na hora do orgasmo explodirem? Ainda sem estragar a história, o melhor personagem é uma mulher que tem o rosto de uma velha e o corpo de uma jovem muito sensual, por isso se passa por duas, ora mostrando o rosto, ora mostrando o corpo.

Para quem não leu vale a pena, o livro é escrito em português, mas frequentemente possui palavras de dialetos e expressões idiomáticas típicas moçambicanas.


Mia Couto (1955) é da Beira, segunda maior cidade depois de Maputo, e segundo meu amigo L.C. todos que nascem na Beira são especiais, acredito que sim, L.C. é um das poucas grandes pessoas que conheci por aqui.

O filme será realizado pela Fado Filmes (que nome hein!) em parceria com o ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual), RTP (Rádio Televisão Portuguesa), VídeoFilmes (do realizador brasileiro Walter Salles) e AMOCINE (Associação Moçambicana de Cineastas).

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Mia Couto


Meu primeiro contato com o autor Mia Couto, ocorreu em meados de Abril do ano passado. Quando Gabriel havia decidido que iria "apostar" em terras africanas, contei a mãe de uma amiga a novidade, e ela sem pestanejar comemorou e me indicou as obras do "tal" escritor Moçambicano. Em seguida, comprei o título: " O último voo do Flamingo" e dei de presente a ele.

Após alguns meses, foi minha vez de aterrisar em Maputo, com duas malas recheadas de roupas, objetos inúteis e muitos sonhos. O livro foi uma boa referência para tudo que me reservava.

Semana passada vivi uma boa experiência em terras africanas.
Dia 03 de Fevereiro, foi feriado e comemorou-se o Dia dos Heróis Moçambicanos. Nessa data em 1969, foi assassinado Eduardo Mondlane, um dos principais atores na independência de Moçambique (1˚ Presidente da FRELIMO), vitimado pela explosão de uma encomenda.

Para comemorar essa data, os Moçambicanos se dirigem a uma cidade +- 30km da capital, preparam uma bebida chamada Cahum, que segundo a tradição deve ser distribuída gratuitamente, e para acompanhar caçam um hipopótamo a margem do rio e fazem um belo "churrasco" alimentando a população que participa da comemoração.

Faz 5 meses que estou morando aqui. Descobrir e viver esse país é uma tarefa diária. Para os amantes de uma boa leitura e para aqueles interessados no continente africano, sugiro que leiam esse autor.
Na narrativa de Mia Couto é possível viajar e conhecer um pouco de Moçambique. É a história em primeira pessoa.

segunda-feira, novembro 24, 2008

E se Obama fosse africano?



Por Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.

Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.

Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.

Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: " E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.

E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?

1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.

Inconclusivas conclusões

Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.

Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.

A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.

Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.

No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.

Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.