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segunda-feira, fevereiro 23, 2009

E se eu fosse Negro em Moçambique?

Durante esta semana li em alguns blogs textos com este título, comentando sobre diferenças em Angola de brancos e negros. Já moro em Moçambique a nove meses e sempre falei da hospitalidade moçambicana, mas neste fim de semana de Carnaval, acabei pela primeira vez a sentir na pele o racismo ou a discriminação por causa de minha cor.
Mercado do peixe tem de tudo!

No Sábado fomos ao mercado do peixe, ainda não falei de lá, mas é um de meus lugares favoritos em Maputo. Uma feira de frutos do mar a céu aberto, onde se compra de tudo: peixes, caranguejos, ostras, lulas, lagostas, tudo fresco e muito bom. É preciso escolher nestas barracas o que se quer comer, e seguindo por um corredor na parte de traz, há vários restaurantes que preparam na hora o que foi comprado, enquanto espera-se na sombra pela comida, bebendo e ouvindo um músico local cercado de vendedores tentando "empurrar" um monte de artesanato.

Como freqüento muito este local, uma das garçonetes já me conhece e sempre fica feliz quando chego, pois a conta sempre é alta. Desta vez estava indo para mostrar o "sitio" (lugar) para o MK; um americano
que acaba de chegar. Chegamos e fomos muito bem recebidos, porém uma confusão começou quando a garçonete preparando a mesa para nós, puxou um sombreiro para nos proteger do sol e descobriu um casal de moçambicanos.

Não tivemos tempo de pedir desculpas e a mulher começou a vomitar palavras, xingando a nós de "brancos safados", e a garçonete de "preta". A mulher gritava falando que não aceitava ficar ao sol por causa do dinheiro dos brancos que estava no país dela e mais um monte de palavrões. No meio da confusão resolveu arrancar ela mesma o sombreiro, que grande e desajeitado caiu sobre as mesas, causando mais confusão ainda. Os xingos e berros eram para mim e a garçonete que era moçambicana.

Tentei me desculpar e tentar contornar a situação, mas sem condições quanto mais tentávamos, mais eram os gritos e palavrões. AN que era a garçonete estava quase chorando pedindo descul
pas, quando resolvi ir para o outro lado da feira, para dentro do restaurante e lá falei que queria sim ser atendido por ela, mas não na praça e sim dentro do restaurante.

Parte de traz, uma praça onde todos comem a sombra de uma árvore e sombreiros (guarda-sol)

No final comemos muito bem e fomos muito bem atendidos, mas aquilo ficou na cabeça, éramos os únicos brancos da feira naquela hora. Ficamos fragilizados quando somos segregados por causa da cor. Não sei se os outros que estavam a volta pensavam como ela ou apenas observavam a confusão, me senti realmente acuado afinal éramos os únicos brancos da feira.


Camarão que almoçamos no mercado

Passeando depois pela cidade de Maputo ainda me sentia desconfortável e imaginava:
- Será que as pessoas que me cercam, viram o que aconteceu no mercado do peixe? Será que estão olhando e falando "lá vai aquele branco do mercado do peixe?".

Percebi que não importa o que eu pense ou minhas ações, sou branco e esta informação chega antes de qualquer outra, e ser classificado como "branco safado", é como carregar um aplaca com isso escrito no pescoço. Nossa garçonete A. veio pedir mil desculpas e falou que eles estavam muito bêbados e que ela gostava muito de nós, pois sempre a tratamos muito bem, mas acho que vou dar um tempo no mercado.

E para ajudar no dia seguinte, depois do carnaval no CFM (Caminhos de Ferro de Moçambique), o qual ainda vou escrever, fomos a piscina e novamente presenciamos uma briga, agora de moçambicanas, com direito a porrada, garrafada e tudo mais. Ao serem postas para fora da piscina pelos guardas, uma das moçambicanas gritava:
- Adeus brancos! Não volto neste lugar!
E eu só estava lá por causa da piscina e do sol, não tinha nada a ver com aquilo...

E se eu fosse negro em Moçambique? Será que as coisas seriam diferentes?

Claro que a bebedeira de carnaval é responsável por boa parte desta "euforia", mas isso me fez pensar mais a respeito. Quando vou comprar legumes ou frutas nas barracas, por ser branco sempre pago mais caro, o taxista sempre tenta cobrar a mais e mesmo os pedintes sempre vão pedir aos brancos que andam pelas ruas. É claro que os brancos estão aqui a trabalho e ganham bem, mas há negros que ganham tão bem quanto, e isso não é motivo para esta separação social. Claro que é muito diferente da África do Sul onde há um aparente ódio entre brancos e negros, mas ainda falta muito para se vivermos uma situação igual a do Brasil.

E antes que comecem a discutir se Brasil é racista ou não, acho que há muitas diferenças:

1 - No Brasil se discute esta questão nas escolas, mídia, etc.
2 - Aqui não há mistura, é difícil ver casais brancos e negros juntos
3 - A imagem do colonizador branco é ainda muito forte
4 - Talvez se eu fosse negro não sentisse tanto esta diferença.

Como seria se eu fosse negro no brasil? Será que eu pensaria desta forma?


segunda-feira, janeiro 12, 2009

Pretória e Voortrekkers - Parte I

Nos passeios mais simples descobrimos coisas fantásticas!
E foi exatamente isso que aconteceu em nosso terceiro dia em Johannesburg, tivemos talvez o melhor de todos os encontros. Fomos ao Monumento Voortrekkers, aprendemos muito sobre a história da África do Sul, as bases do apartheid (vidas separadas em Afrikaans) e muito sobre a relação atual entre brancos e negros.

Em menos de 40 minutos se faz a viagem de Johannesburg a cidade de Pretória, ou Tshwane. Vamos as explicações: A cidade de Pretória tem este nome devido a Andries Wilhelmus Jacobus Pretorius, primeiro presidente da "República Bôer", integrante dos Voortrekkers e consequentemente branco. Tshwane é uma palavra Xhosa, que significa "somos todos iguais".

Depois do fim do apartheid, e diga-se de passagem, depois da saída de Mandela da presidência, começou um processo de "desmonte" das características brancas em toda a África do Sul, isto é, mudança de nomes de ruas, "retirada" de esculturas em homenagem aos heróis colonizadores e qualquer outra coisa que remetesse a hegemonia branca, por isso a importância deste monumento.


Fomos para Pretória "Tshwane" para vermos os documentos da Thá e conhecer a cidade. Para nossa alegria todos os consulados Moçambicanos na África do Sul resolveram emendar o Natal e a Ano novo. Dessa forma, não foi possível tirar um novo visto; e olha que ligamos antes para confirmar que estariam abertos! Burocracias típicas de qualquer país...


A cidade é linda, tem um "ar" Inglês (eu acho), em meio a África. Ruas largas, bem sinalizadas, arquitetura clássica contrastando com prédios modernos, mas nada de Av. Paulista.


Primeira parada

Fomos ao Parlamento "Union Buildings", uma construção no topo de uma montanha, com vista panorâmica da cidade. Em forma de um C ou "ferradura" que tem na frente um belíssimo jardim. Aparecem, alinhadas, três estátuas. Dessas três visitamos duas:

1˚ Homenagem aos combatentes da 2˚Guerra Mundial


2˚ Homenagem a James Barry Munnik Hertzor (1924-1939) primeiro Ministro da África do Sul

Foto: Estátua de Barry Munnik Hertzor e ao fundo o Parlamento

De lá já podíamos ver: o Voortrekkers...

Voortrekkers

Grande? é um Monumento! Uma grande construção em Art Deco, erguido sobre uma montanha. Atenção; não confundir art deco alemã em pedra com a art deco francesa, do ferro e da natureza!


Ao contrário do que alguns podem pensar, Portugal esteve por aqui (África do Sul), mas nada fez além de pequenos comércios. Em 1652 os Holandeses enviaram colonos, para terem um porto de abastecimento para seus navios entre Europa e Oriente. Tempos depois este Porto (Cidade do Cabo/ CapeTow)que foi tomado Pelos Ingleses.


Estes colonos, descendentes de holandeses, franceses e alemães é que, descontentes, partiram para o leste a procura de novas terras, conhecido como "Big Trek" (grande migração) e tinham o objetivo de serem independentes de Capetown, por isso o nome "República Bôer". E foi na "Big Trek" que conheceram e entraram em conflito com o povo (ou reino?) Xhosa, os negros da África do Sul, que ao contrário dos Índios no Brasil, eram muito bem organizados em cidades e puderam combater ferozmente os invasores.

É deles, os Voortrekkers, a língua Afrikaans, uma mistura de Inglês, holandês e francês.
O lado externo do Monumento é cercado por um muro decorado por 64 "carros-de-bois" aqueles de filmes do velho oeste. O monumento possui uma "voz narrativa" da história da batalha de Blood River (Rio de Sangue) e foi esta a estrutura do acampamento; 64 carros-de-bois em forma circular que os Voortrekkers se protegiam dos ataques dos Xhosa.



Logo aos pés do monumento uma grande escultura de um mulher e um casal de filhos, representando os valores religiosos e a dura "doação" da mulher e filhos neste período.

Nos muros da escadaria e ao topo da porta de entrada, Búfalos, os animais mais temidos da África neste período, e que servem simbolicamente de "proteção" contra invasores.
Em cada um dos vértices do monumento, um lider: Piet Retief, Andries Pretorius, Hendrik Potgieter e um líder desconhecido são a "Guarda de Honra" e os alicerces do Monumento.

Subindo as escadas, nota-se a imponência do monumento, 40 metros de altura por 40 metros de diâmetro, em vários aspectos o monumento lembra o monumento alemão Völkerschlachtdenkmal (1890 a 1913) em Leipzig ,(mas esta é outra batalha...)


A entrada do monumento é pela Sala dos Heróis, um grande quadrado, Iluminado pelo sol que atravessa quatro grandes vitrais brancos de pedra. Ao centro um vão, onde se vê o Cenotáfio (do latim tardio cenotaphium, do grego κενοτάϕιον, composto de κενός " vazio" e ταϕός "tumba") nele o nome do líder Piet Retief e simbolicamente todos os Voortrekkers. No chão há um desenho em espiral. O movimento visual é da expansão contínua do povo e dos ideais dos primeiros Voortrekkers.


E o toque final, uma grande cúpula, com uma abertura para o lado externo do monumento, onde todos os anos, no dia 16 de Dezembro um grande número de descendentes se reúmem em peregrinação para ver um feixe de luz que se projeta desta abertura para o centro do cenotáfio, reforçando assim sua cultura, raça e descendência. É um momento para se lembrar e transmitir a seus filhos a história de seu povo e de suas batalhas.

Tradução da Placa de recepção, em frente ao Monumento.


O Monumento Voortrekker foi contruído entre 1937 e 1949, no estilo Art Deco. Os descendentes diretos dos líderes voortrekkers Piet Retief, Andries Pretorius e Hendrik Potgieter estão "registrados, esculpidos?" nos vértices do monumento em 16 de Dezembro de 1938. O Monumento foi Inaugurado pelo primeiro Ministro Dr. Df. Malan, e aproximadamente 250.000 pessoas em 16 de Dezembro de 1949 (data em que o feixe de luz aparece e aniversário da batalha do Blood River).

O Monumento é em comemoração aos pioneiros que participaram da migração entre 1835 e 1854, chamada "Great Trek - Grande Viagem". Durante este período aproximadamente 15.000 pioneiros viajaram para o norte, depois do "Orange River" (Rio Laranja em homenagem a Holanda, cor da holanda) e Drakensberg, indo para o interior da África do Sul. Eles Fundaram a República Boer (1852) e o Orange Free State (Estado Laranja Livre) em 1854 foram resultados diretos da "Great Trek".

Na próxima postagem vou escrever sobre o grande Painel de mármore, no Salão dos Heróis, dentro do Voortrekkers.

Segue um documentário sobre o monumento ( em Inglês com muitas imagens e informações. Vale a pena assistir para entender melhor)