Acho interessante contar um pouco das pessoas que nos cercam, talvez a melhor maneira de conhecermos um lugar seja pelas pessoas que lá vivem.
Marcos, é o senhor que trabalha na escola A Luta Continua, que fica em frente ao meu trabalho, a um quarteirão de onde moro. Ele é uma espécie de segurança, caseiro e coordenador de corredor da escola, sabe aquela pessoa que fica chamando os alunos, separando brigas, abrindo e fechando o portão?
Sorridente, Marcos é menor do que eu, deve pesar uns 48kg sempre está com uma vassoura na mão ou uma outra coisa para varrer as folhas que caem das árvores. Sempre vou cumprimentá-lo, para ele é uma honra, percebo isso, pois sempre que atravesso a rua para cumprimentá-lo sua magra figura sempre se infla de forma feliz.
Me cumprimenta sempre em shangana (dixili - bom dia) e depois em português, como eu me esforço para responder em shangana, ele fica todo feliz e já despeja um monte de palavra que não faço a menor idéia do que significa. Um sábado ele nos convidou para visitar sua escola, foi muito bom passear em uma escola pública Moçambique.
A escola primária é um edifício de dois andares, muito ampla, cercada por um grande espaço de terra batida e um campo de futebol, as paredes são muito gastas e velhas, a pintura já descasca e se vê os tijolos, a terra seca e vermelha teima em entrar nas salas, assim como um passarinho que nos acompanhava, entrando e saindo das salas.
As mesas dos alunos são duplas, mais compridas e as crianças se sentam duas em duas, o "quadro negro" é apenas uma parede pintada de preto. Muito feliz ele vai abrindo sala por sala, mostrando onde ele trabalha, fala com orgulho que cuida de tudo, e mantém tudo muito limpinho.
Acabei perguntando algumas coisas e descobri outras, Marcos não é de Maputo, vive aqui para o trabalho, que é cuidar da escola, por isso ele recebe uma ajuda, não sei quanto, mas com certeza é muito pouco, mora na parte de traz da escola, sempre está com a mesma roupa preta, de luto pela morte da mulher. Aqui eles ficam de luto durante muito tempo, eu o conheço a 8 meses, a pelo menos 8 meses ele está de luto. Em um canto da escola ele faz sua machamba, um área de terra onde ele planta e colhe o que dá, certo dia eu paguei para ele um sanduíche do “saquina”, um carrinho de cachorro quente em frente a escola, que vende carne de vaca “morta com os preceitos muçulmanos”, ovo frito, maionese quente, alface e muito tomate souce (ketchup).
Muito feliz ele agradeceu: "Patrão é primeira vez que não estou sentir fome, não dói, assim vou ficar forte!"
Agora as chuvas voltaram para Maputo, é a época de chuvas, verdadeiras tempestades, o bom é que a machamba está completamente verde, Marcos deve estar comendo melhor.
Agora ele usa uma camisa velha amarela por baixo da camisa preta, acho que o luto acabou, mas ele não tem outra roupa.
The Case for Connectivity (part 2)
Há 5 anos
Um comentário:
Gabi
"...acho que o luto acabou mas ele não tem outra roupa" Frase digna do outro Gabriel, o Marques dos 100 anos, ou de um Paulo Bonfin, Jorge Amado, e outros esciritores maiores. Parabéns, os textos estão ótimos.
O conteúdo humano, a singeleza das linhas belas e fáceis de serem compreendidas, tornam o texto soberbo, grandioso, como soberbas e grandiosas são as coisas simples com elevada carga humana.
Esse Gabriel eu desconhecia e estou muito orguloso dele.
O Pai
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